domingo, 22 de agosto de 2010

conversas.

- Então é isso.
- Exatamente. Como diria Morrissey: “I was happy on a haze of a drunken hour, but heaven knows I’m miserable now.”
- Para com isso.
- O quê?
- Com essa coisa de ficar citando Smiths, Beatles e outras porcarias depressivas. Você está me irritando profundamente com essa mania idiota.
- Não é mania. Eles apenas expressam coisas que eu sinto.
- Você não sente nada. Do jeito que você é medíocre, sequer deve conseguir apreender o que eles querem dizer. Assiste a filmes com seu olhar superficial, lê livros de forma simplória, achando que são apenas um monte de palavras emboladas, sem entender o que está entrelinhas. Portanto, dá um tempo, okay?
- Ei, por que você está ficando tão irritado?
- Porque você é um ser humano frívolo e irritante, é por isso. E Eu não suporto mais esse monte de baboseira sem fundamento algum que você aponta como motivo dessa tristeza descomedida. Você é o típico caso do defunto que cava a própria cova, se enfurna lá e, em seguida, joga terra sobre o próprio corpo.
- Não fala do que você não entende.
- Eu entendo perfeitamente, não pense o contrário, seu covarde. Entendo com limpidez ímpar essas suas escusas esfarrapadas de que esta cidade está te matando aos poucos, mas que você está preso aqui, com raízes profundas demais. Suas raízes são a covardia, a falta de coragem de arriscar algo novo pela primeira vez. Não há faculdade ou trabalho que justifique esse definhamento interior pelo qual está passando. Isso é pura e simples covardia.
- Por que você fala com tanta arrogância, com tanta raiva?
- Porque eu sou o único que fala a verdade para você. Todos aí com esse papinho que você tem potencial, que tem que explorar isso. Pois eu vejo plenamente a mediocridade que você embala numa bonita ornamentação, mas que não engana quem consegue ver um pouquinho mais profundamente. Lembra-se da professora, que disse que você era um pavão? Ah, ela só queria explicar a metáfora, não é mesmo? Mas você sabe que não. Acho que mais alguém notou que você é um exibicionista dessa mediocridade tão sua, não é mesmo? E você sabe que aquilo te machucou, sabe que seus olhos encheram-se de água e você não conseguiu olhar mais nos olhos dela durante toda a aula. A verdade dói, não é mesmo, meu querido?
- Você não está ajudando muito.
- Você não merece ajuda. Perceba como faz três semanas que está afundado nessa maldita cama – excetuando os momentos em que cumpre seus honrados compromissos com os números e as letras. As pessoas estão indo. Não estão suportando essa sua inclinação estúpida por misericórdia. Ninguém vai ter pena de você. Não há motivo para ter pena. Erga-se e mostre-se um ser humano digno das pessoas que lhe cercam.
- Eu sou um ser humano da solidão e você sabe disso. Como a Ágatha disse da primeira vez que me viu: “O Rapha é um lobo solitário.” Sempre fui sozinho, sempre me virei bem comigo mesmo. Foi estupidez me desacostumar com isso. “Não é sadio acostumar-se com a luz quando somos fadados a viver no breu”, foi o que li por aí. Mas meu peito está voltando a ficar tranquilo novamente.
- A escolha foi sua, sabia?
- Não houve escolha. A solidão é imposta, não escolhida.
- Não foram poucas as pessoas que tentaram te amar, te dar um pouco de carinho, estar com você, te sentir. Mas do alto de sua arrogância, você expurgou todas elas, como se fossem bactérias nocivas a sua apreciada saúde.
- ISSO NÃO É VERDADE!
- Não me vem de novo com esse papo de que você não sabe por que acontece, que é um sentimento involuntário. E nem vem colocar a culpa novamente no pobre praiano lá, dizendo que ele te tornou uma pessoa fria. Isso é tudo baboseira que não cola comigo.
- Então, você me vê como um ser humano dos menos honrados, não é mesmo?
- Te vejo apenas como ser humano, nem menos nem mais nada. Só consigo te ver cristalinamente e tento te alertar pras armadilhas que estás armando para si próprio. Erga-se, rapaz. Já passou da hora.

Ele continua trancado no quarto. No escuro. Sozinho.

Um comentário:

guilherme sanches disse...
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