sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"De volta aos meus oito anos"

Nota: Eu escrevi esse texto para um trabalho de Teoria da Literatura na faculdade, onde eu precisava fazer uma paráfrase ou paródia que tivesse uma relação intertextual com o poema "Meus Oito Anos", de Casimiro de Abreu. Quem sou eu para fazer uma coisa dessas! Mas as meninas do grupo apreciaram o resultado e, por essa razão, resolvi postá-lo nesse cantinho. Afinal, eu falo pouco da faculdade aqui e é legal mostrar, de vez em quando, o que ando fazendo por lá.
Depois me contem o que acharam do texto. Gostaria da opinião sincera de vocês.


"De volta aos meus oito anos", por Raphael Cardoso


"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"
(Casimiro de Abreu)

Quando as marcas do tempo tomaram formas físicas e enrugadas em meu rosto pálido e quando o peso dos anos materializou-se sobre meus ombros, curvando abruptamente minha coluna, fui deixado para desvanecer lentamente num pardieiro imundo disfarçado de casa de repouso. Eram dias em que o negrume da morte encolhia-se no canto do quarto empoeirado, esperando ansiosamente um fracasso previsível do meu cansado coração. O sonho dourado desbotava-se em pesadelo frio de ferro; o hino de amor silenciava-se gradativamente em um murmúrio de agonia.

Certo dia ensolarado, pedi amigavelmente a um dos enfermeiros por quem tinha enorme apreço para me levar ao mar, que não ficava tão longe, para que meus olhos desfocados pudessem, por uma última vez, apreciar a imensidão azul. Em sua já conhecida boa vontade, em seu uniforme alvo impecável, o anjo acomodou-me com dificuldade na ambulância enferrujada que o asilo dispunha e levou-me à praia. Segurou com seus dedos fortes a minha mão ossuda e guiou-me pela areia fina até o mar sereno. Vi meus pés cansados e velhos sumirem numa pequenina onda borbulhante. Então, quando a água retornou, sorri surpreendido ao mirar, no mesmo lugar dantes, dois pezinhos vigorosos sentindo as cócegas causadas pela areia acumulada entre os dedos. Senti-me forte, revigorado, pronto para trepar em árvores para colher frutos ou para correr pelas campinas a caçar borboletas. Mas a saudade da minha infância era tão grande, que nada disso era prioridade. Com toda gratidão que me era possível, virei para o enfermeiro e disse-lhe:

— Pode soltar minha mão agora, anjo. Minha mãe deseja segurá-la.

Seu rosto jovial contorceu-se em dúvida, mas ele acatou meu pedido. Foi quando senti a mão suave de minha mãe entrelaçando-se com a minha, o que trouxe lágrimas repentinas aos meus olhos cansados.

— Ei, pequeno — sua voz doce, mas rigorosa, ressoou aos meus ouvidos —, por que choras? És o primeiro rapazinho de oito anos que vejo se emocionar ao ver o mar. Vás brincar, menino! Pares de manha.

A aurora de minha vida estava novamente descortinada diante de mim, como se fosse possível rejuvenescer a inocência de minha alma. Mas o toque do anjo no meu ombro trouxe-me com um baque de volta à realidade:

— Já é hora de voltar, senhor.

E então, o mar escondeu os pezinhos com sua água cristalina e, quando a onda regressou, pés calejados e fracos encontravam-se em seu lugar. Lancei um último sorriso desdentado para o mar e caminhei ao lado do anjo, de volta para o carro.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

sobre as cercas — e o que quer que elas dividem.

Há 10 minutos atrás, acabei de ler o best-seller de John Boyne “O Menino do Pijama Listrado”, muito comentado e na maioria das listinhas de pessoas que leem o que tá na moda e o que está sendo indicado pela revista Veja. O livro, como vários outros já fizeram à exaustão, trata dos terrores da II Guerra Mundial e sequer há inovação na escolha de abordar o assunto pela perspectiva de uma criança — já que, há alguns anos atrás, a autora de outro best-seller, "A Menina que Roubava Livros", usou com tanta beleza tal recurso.

Portanto, qual o motivo do burburinho em torno deste romance?

Eu não tenho resposta para tal pergunta, mas falo por mim ao dizer que Boyne me encantou com a sensibilidade colocada homeopaticamente em cada palavra das 186 páginas de sua história. Sem errar na medida, sem abusar de um melodrama que muitas vezes inunda histórias com essa temática, o terror do holocausto se torna um eufemismo que somente a pureza dos olhos de uma criança poderia captar. E esse é o grande trunfo do autor: colocar em sua narrativa brilhantemente a visão do mundo de Bruno, o menininho de 9 anos que não entende porque teve de deixar Berlin, porque há uma cerca separando sua nova casa de um campo onde todas as pessoas usam pijamas listrados ou porque os soldados “entram e saem da sua casa como se mandassem no lugar”, nas próprias palavras do menino.

Assim, para conseguirmos usufruir e gostar do livro, é necessário ver o mundo pela ótica de Bruno: o Fürer torna-se o Fúria, o campo de concentração de Auschwitz se torna Haja Vista e o problema de bebida da mãe pode transforma-se num simples vício em xerez medicional. Esse mundo de eufemismo criado pelo autor é tão atraente que nos sentimos forçados a acatar a ideia e esquecer-nos das atrocidades causadas pelo regime nazista e fingir — pelo menos por um instante — que tudo não passa de um imbróglio para o qual Bruno não encontra explicação.



E tudo leva à amizade dos dois meninos, um alemão e um judeu, onde o autor prefere apontar as semelhanças às diferenças, o que os aproxima do que os separa. Mais uma abordagem sensível, sutil e simples de John Boyne.

No fim do livro, tomado pelo sarcasmo característico da irmã mais velha de Bruno, Gretel — o Caso Perdido — Boyne diz:

“Claro que tudo isso aconteceu há muito tempo
e nada parecido poderia acontecer de novo.
Não na nossa época.”

Infelizmente, sabemos plenamente que ainda há muitas cercas separando os seres humanos e que estamos longe de ser agrupados pelas nossas semelhanças, prevalecendo a separação e o preconceito pelas nossas diferenças.

Quisera cada um ter um pouquinho de Bruno e sua inocência dentro de si...

domingo, 18 de outubro de 2009

de bolso.

Eu venho mantendo este blog por mais de um ano, me dedicando ao tentar fazer textos que deixem transparecer a minha verdade, os meus sentimentos e os meus pontos de vista em relação ao mundo. Contudo, eu tenho a devida noção e o bom senso de saber que pouquíssima gente passa por aqui - e, de certa forma, a popularidade não é e nunca será a meta desse blog. Os motivos para esses poucos acessos podem ser explicados facilmente: em primeiro lugar, podemos culpar a rotina desgastante e o cotidiano corrido que impede até mesmo o contato com as pessoas próximas de nós, com quem moramos e compartilhamos a mesma casa. Mas, principalmente, é característica do ser humanos egocêntrico de hoje em dia não dar a mínima para o que o outro pensa, sente e expõem. Cada ostra dentro de sua própria concha, guardando o brilho reluzante de sua pérola para si mesmo.

O tumblr, portanto, é o blog ideal para esse novo ser humano preguiçoso e desinteressado que não quer gastar seu precioso tempo conhecendo melhor as pessoas que o cercam. Não pelo conteúdo do site, já que ali há a chance de compartilhar vídeos, músicas, citações, textos e tudo mais, mas pela agilidade com que essa informação é passada, pela organização simples, sem floreios, sem a burocracia dos outros blogs.

Encantado pela ideia do site, não resisti e abri um "sub-blog" pra servir de apoio a esse aqui, que já é um velho amigo meu. Lá estarão pensamentos, vídeos bacanas, músicas imperdíveis, links interessantes e o que mais vier à cabeça - tudo no tamanho exato da sua preguiça.

Portanto, separe 5 minutinhos e dê um click. Você não vai precisar de mais que isso.

Visite o "sob o boné - drops" clicando aqui.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

amor retratado. simplesmente.

Em tempos de Big Brother, Reality Shows e sensacionalismo exarcebado, eis que me deparo com um modo diferente de retratar o cotidiano e de mostrar com sutileza e sensibilidade a pureza dos sentimentos. Esta é a proposta dos irlandeses Quinnford e Scout que, juntos desde de 2008, usam uma Cannon e muita criatividade para registrar sua relação e compartilhar com todos através da World Wide Web.

A proposta do Quinnford+Scout Project é muito simples: dois caras apaixonados retratam seu cotidiano e dividem com que interessar. Como eles próprios definem no site, a intenção é "capturar os pequenos detalhes que sublinham o excitamento de estar com alguém, seja sexualmente, sentimentalmente ou na vida doméstica."

E tudo não passaria de uma exposição gratuita se não fosse a ARTE que esses dois caras colocam em suas fotos, seja nas mais simples, como um preguiçoso desjejum, às mais elaboradas, como um dia ensolarado num parque em Lisboa. A iluminação exata, a câmera posta no ângulo perfeito, os movimentos minuciosamente sincronizados e a espontaneidade que eles alcançam transformam até mesmo o mais singelo momento, que passaria despercebido em nossas rotinas aceleradas, em uma genuína obra-de-arte.

E o que, afinal, move esse projeto e essa sinceridade crua que tais fotos nos revelam?
O Amor. Naquela forma que muita gente já deixou de acreditar e acha que só existe nos filmes melosos hollywoodianos. Um amor sutilmente notado no posicionamento de mãos e num brilho diferente no olhar ou escancaradamente exposto em gestos voluptuosos e ações cheias de desejo.

Paixão, amor, tesão, dia-a-dia... tudo isso se mistura de forma muito artística e sensível nesse corajoso projeto. Vale a pena dar um clique nos links abaixo e conhecer como uma ideia tão desgastada ultimamente - a banalização do cotidiano pelo sensacionalismo televiso - pode tomar rumos bem distintos quando movido pelo amor.

(okay, soou breguinha, mas eu sou o último dos românticos, assumo. risos.)


Links para o Quinnford + Scout Project: