domingo, 18 de janeiro de 2009

pequena nota desinteressante sobre uma caminhada ao crepúsculo.

ato os cadarços imundos do meu adidas, pego algum dinheiro apenas por garantia e, ajeitando os fones nos ouvidos, jogo meu iPod no bolso da bermuda. é incrível como a companhia do pequeno objeto portátil tocador de músicas às vezes é tão lívida e suficiente quanto a de uma pessoa e como as doces melodias que ele propaga são capazes de preencher os espaços vazios tal como uma boa conversa. é uma pena que ele seja exímio apenas como interlocutor, e sequer se importe com o turbilhão de emoções que se afloram em meu peito.

a passos firmes e vívidos, começo a traçar o itinerário já devidamente conhecido. é sabido que às vezes torna-se mais interessante arriscar-se em novos trajetos e que a aventura de andar por onde nunca ninguém andou é um estimulante à intensidade da vida, mas não é tão simples largar a comodidade de seguir os próprios passos que você deixou na areia no dia anterior. a beleza do dia é tão humanamente imperfeita que traz lágrimas aos olhos: a luz crepuscular, branda, aquece meu corpo, enquanto o sol, generoso, não se importa de dividir a imensidão celeste com as desimportantes nuvens alvas. há poesia ali. sutilmente, a imperfeição do dia declama um idílico soneto sobre a beleza das coisas mais simples e singelas da vida. nem todos conseguem ouvi-lo: talvez faz-se necessário se perder na tênue linha entre ser uma pessoa complexamente simples ou imperfeitamente complicada para tal. eu o ouço perfeitamente.

subitamente, a calçada simetricamente entre o rio e a avenida sussurra em meus ouvidos um convite à corrida. eu gosto de correr. o vento no rosto enquanto seus pés chocam-se deliberadamente contra o chão irregular é uma das formas mais palpáveis de liberdade que já experimentei. mas quando deixamos de ser garotos travessos, aprendemos que não podemos correr sempre que temos vontade. os pés devem estar sempre pregados ao chão numa caminhada ritmada e uniforme, sem riscos, sem aventuras. eu contraio o impulso tentador de correr. na verdade, eu me rendo facilmente à segurança de andar devagar, porque temo as possíveis quedas e tropeços. e sei que essa covardia é um paradoxo pra alguém que acredita tão cegamente na magia da vida, que arma conspirações a cada olhar lançado por um estranho na rua ou que arquiteta pequenos atos teatrais a cada esquina deserta, mas, no momento, não é viável pra mim acelerar uma caminhada que sempre deu-se a seu próprio ritmo. talvez esse seja o grande erro da minha personalidade: transformar qualquer irrelevância numa peça da brodway – ou, qualquer caminhada às 5 da tarde num texto com mais de 30 linhas.

minhas divagações são abruptamente interrompidas quando um olhar a sudoeste capta nuvens enegrecidas lançando águas turvas sobre a parte sul da cidade. breco de chofre e ponho-me a devanear sobre meu próximo passo: um banho de chuva tem o inexplicável poder de revigorar nossa energia e de lavar profundamente nossa alma, limpando-a das impurezas acumuladas nos cantos onde não permitimos que nossa esperança alcance. um banho de chuva pode subitamente ser um jorro de vida sobre você. a chuva tem esse poder. não obstante, eu sou um covarde. falta-me coragem para chegar em casa encharcado por uma discrepância climática.

lanço um último olhar desejoso às nuvens carregadas e volto para a segurança do brilho opaco de fim de tarde.

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