sábado, 8 de novembro de 2008

o menino que sobreviveu.

ontem foi aniversário de - com o perdão da hipérbole - umas 3 mil pessoas da minha família e eu fui em duas pequenas reuniões para comemoras tais datas: uma na casa da minha irmã e outra na casa da minha tia rose.

durante a segunda, quando já estávamos indo embora, meu pai comentou com um pequeno grupo de pessoas a respeito da minha operação e seus resultados. pediram então para que eu mostrasse como tinha ficado e tirei o boné sem problemas, recebendo reações positivas e elogios sinceros de que estava ótimo e quase imperceptíveis as marcas da queimadura. leandro, meu primo e também aniversariante do dia 7 de novembro, comentou então, em tom pesaroso:

"eu lembro da época que você estava no hospital, todo roxo, com a cabeça desse tamanho (esticando as mãos a uma distância de 30 cm uma da outra) por causa da inchação. "

em outro relato, tia rose disse:

"a imagem que mais me marcou de tudo foi quando cheguei ao hospital e o renato (meu pai) estava com você no colo, chorando descontroladamente, enquanto você estava em completo silêncio, a sopa escorrendo do seu corpo e molhando as costas do seu pai."

confesso que meus olhos marejaram com essa narração, mas karla, minha prima também, completou com bom humor:

"a verdade é que disseram: 'eita, esse cara tá bonitão demais, vai ficar vaidoso e se achando. precisamos dar um jeito nisso'. e daí te deram uma rasteira pra que você não ficasse se gabando muito.

okay, apelou nessa, karla (rs).

mas a verdade é que eu continuo aqui. minha vida tinha todos os motivos pra acabar naquela noite de 1987, mas uma reviravolta me deixou crescer praticamente intacto e tudo que resta agora daquele episódio são pequenas cicatrizes quase imperceptíveis no meu braço direito e algumas falhas no meu couro cabeludo. de uma tragédia que deixou minha cabeça do tamanho de uma bola de basquete sobraram marcas superficiais. e, o que eu me pergunto, é o porquê disso. por que ainda estou aqui se a vida teve a chance certa de me levar embora?

eu explico.

já faz praticamente 23 anos que estou ocupando espaço no planeta terra e até hoje eu não recebi um sinal claro e nítido do por quê de minha existência. eu podia simplesmente aceitar o fato de estar vivo, mas pra mim isso é pouco. eu acho que qualquer existência precisa de um motivo, porque é um pensamento medíocre demais acharmos que estamos aqui pra nascer, viver e morrer. e não falo de atos exorbitantes que mudam o trajeto do mundo, afinal, nem todo mundo é um alma evoluída e não nasce um john lennon todo dia, não é mesmo? (e quem não acha que os beatles são um fato que mudou o trajeto do mundo merece arder no mármore do inferno, rs). quando eu falo de um motivo pra existir, falo de coisas bem mais simples e sutis que podem ser de total irrelevância pra uma pessoa ambiciosa ou materialista demais. porque, na minha concepção, vir para o mundo apenas para trazer um sorriso para um rosto desamparado é completamente satisfatório. estar aqui simplesmente para completar a vida de alguém, para ser a outra metade, o alicerce é um ótimo motivo pra ter todos os dias os pulmões preenchidos de oxigênio. vir para amar, pra trazer bons pensamentos e boas ações devia ser o suficiente para cada pessoa achar um bom motivo pra estar vivo.

mas eu fico meio puto de olhar pro reflexo do espelho e ver um nada materializado. de não estar completando a vida de ninguém, de não estar propagando nenhuma boa atitude num mundo que tanto está precisando ou de estar pra não ser somente mais um acomodado com a mediocridade. eu sei que não tenho capacidade de ser um marco na história e nem tenho ambição para tanto, tampouco tenho tendência ao altruísmo mas eu me contentaria em ser alguém, sabe? em olhar pro espelho, abrir um sorriso e dizer: "você é a metade da vida de alguém. é o motivo do sorriso de alguém. você ama alguém e esse amor é retribuído. você tem um motivo para acordar toda manhã. você não está nesse mundo à toa, cara." mas tudo o que tenho todos os dias é um trabalho onde as pessoas me olham de cima, como se eu estivesse no meu exato lugar e nada além de ser um balconista-carregador-de-caixas estivesse guardado no meu futuro. a cada dia, meu coração se acostuma mais com a solidão, a ponto de às vezes eu desejar ficar sozinho mesmo e me sentir absolutamente confortável com isso.

de certa forma, eu sou o menino que sobreviveu, assim como o harry potter. ele, sobreviveu pra salvar o mundo dos bruxos. eu, se conseguir salvar pelo menos o meu, já estarei deveras satisfeito.

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